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Reportagens

20 anos de luta na barragem de Acauã

Em agosto de 2024 o presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, entregou em Riachão do Poço - PB, o Lote 2 da Vertente Litorânea Paraibana da transposição do Rio São Francisco. Esse feito traz grandes números nos discursos do poder público, além da ideia de desenvolvimento e progresso que em geral estão presentes no combo das megas obras estatais e/ou privadas.

Ao voltarmos um pouco nessa construção chegamos ao Lote 1 da Vertente Litorânea Paraibana (entregue em 2023), aqui encontramos o barramento do Rio Paraíba, na Barragem Argemiro de Figueiredo, também conhecida como Barragem de Acauã, localizada no município de Itatuba - PB.

Nesta região encontramos uma comunidade ribeirinha que foi afetada diretamente pelo alagamento das áreas que viviam e por lá não poderiam permanecer, já que a bacia hidrográfica da barragem ocuparia 1725 hectares, para armazenar 253 milhões de metros cúbicos de água. Devido a esses fatores cerca de 1000 famílias das comunidades de Junco do Seridó, Melancia, Pedro Velho, Ilha Grande, Cafundó e Cajá (135 família apenas nesta última) foram realocadas forçosamente para outros locais, sem que fossem ouvidos e sequer foram auxiliados pelo Governo do Estado ou Governo Federal à época.

Para nos ajudar a compreender essa situação nossa equipe de reportagem composta por Lucas, Genildo e Leydiane foram até a cidade de Itatuba - PB, visitar, conhecer, trabalhar, conversar e entrevistar Aline, Osvaldo e Joelma, pessoas que não foram afetadas pelo progresso e desenvolvimento pregados pelo governo e meios hegemônicos de comunicação.

Perguntamos a Aline, que é ativista do Movimento de Atingidos por Barragem (MAB) e graduanda em História como ela percebia esse suposto progresso que viria com a barragem

Ela conta que “Na verdade, essa barragem, ela não trouxe progresso para as comunidades atingidas. Ela realmente trouxe desgraça, porque essa barragem, ela foi construída para o abastecimento humano e ela sequer abastece as comunidades que foram atingidas. Ainda hoje, em 2024, ainda tem comunidade que é abastecida com água bruta da barragem. Não tem uma estação de tratamento pra algumas comunidades. Então o progresso não foi para essas comunidades e sim para as cidades vizinhas que são realmente reabastecidas por essas barragens."

Osvaldo nos diz sobre a mesma questão: “Nem para a gente, nem para os municípios, para você ter ideia, foram três municípios atingindo Aroeiras, Natuba e Itatuba, o município de Natuba eles estão isolados por que existe a PB 082 que liga João Pessoa a Umbuzeiro que vocês foram passaram lá na Ponte da barragem, lá no final dela ali é uma PB que ligava até Natuba então lá eles ficaram isolado do município. [...] Hoje a gente consegue entender porque essa barragem foi feita. [...] existe um canal levando água para o litoral norte da Paraíba, um canal com 112 km de extensão que vai atender o agronegócio, os latifundiários, os usineiros. [...] Enquanto isso, você vê lá na Melancia, pessoa receber água bruta não tem água tratada, como é que você vai gastar 1 milhão para levar a água para 112 km e quem tá a cem metros da água que não tem água tratada, que progresso é esse, esse povo tinha acesso a água."

A construção da barragem de Acauã iniciou-se em 1999, no Governo Federal de Fernando Henrique Cardoso (FHC), já no Governo Estadual encontrava-se José Maranhão, que renunciou em abril de 2002, assumiu então o Roberto Paulino, nesse mesmo ano as obras foram finalizadas. Contudo, não houve plano de manejo das comunidades, a população que seria atingida também não foi escutada em nenhum momento pelo poder público, até que em 2004 as casas começaram a alagar na madrugada, forçando os moradores a saírem de suas casas.

Joelma nos relata: "Só chegou e foi medindo até aonde a água ia chegar, marcaram, mediram né, aonde ia chegar mas também não fizeram reunião com a gente nem nada não."

Osvaldo “Foi muito atropelado aqui essa imposição do Estado. [...] A gente não sabia o valor da indenização, não sabia para onde ia, qual o tipo de casa que ia receber desde as comunidades de Cajá, Melancia, Pedro Velho, Ilha Grande, Junco do Seridó, todas essas comunidades foram atropeladas. Para você ter ideia, em janeiro de 2004 quando teve as fortes chuvas na paraíba [...] a gente não esperava essa quantidade de chuva a gente ainda tava morando nas comunidades anteriores onde ficaram submersas e a gente teve que sair às pressas e para onde a gente foi saiu às pressas ainda não tinha as casas pronta

Com as falas dos moradores locais podemos perceber como o processo de construção e planejamento foi imposto sem que os moradores pudessem ser ouvidos. Toda essa movimentação visava que a barragem atendesse em especial a cidade de Campina Grande - PB, a segunda maior cidade do estado, porém não foi possível esse abastecimento, por questões práticas e técnicas.

Ao falar sobre suas memórias e da comunidade do Cajá, onde morava, mas foi tomado pelas águas, Aline nos diz: “Então a gente ainda tem isso registrado em fotografias e na nossa memória, né? [...] a barragem ela afogou o nosso passado, mas ela não conseguiu afogar as nossas memórias. E ainda dói muito pensar em tudo. Às vezes eu fico imaginando, pensando lá nos lugares onde eu passeava, na minha casa, onde eu morava, as escolas e um lugar que eu sei que eu nunca mais eu vou conseguir retornar e ver como, como está o lugar”

Joelma: Às vezes a gente começa olhando as fotos a gente nem quer ver muito porque lá a gente tinha mais liberdade é nossa infância e praticamente a gente foi expulso à força, na época que encheu mesmo a gente tava dormindo e 04h00 da manhã acordamos com a água nas portas e os vizinhos gritando a barragem está enchendo a barragem está enchendo

Nas falas dos nossos entrevistados é perceptível a sensação de abandono por parte do poder público. Em estudo feito por Lucas da Silva, em 2013, ele identificou que os locais que estão atualmente submersos contavam com cerca de 29 equipamentos comunitários como escolas, posto de saúde, desse montante, 17 estavam localizados nas comunidades de Cajá e Melancia. Contudo, ainda no início da década passada apenas 02 equipamentos comunitários foram reconstruídos, nas comunidades de Vila Nova e Pedro Velho, no município de Aroeiras.

Frente a esse descaso os ribeirinhos tiveram de ir à luta, uma das formas de organizarem-se para buscar seus direitos foi a partir do Movimento de Atingidos por Barragem (MAB), que atua em nível nacional no enfrentamento político e social em busca de melhores condições de vida para aqueles que perderam suas residências terra, trabalho e familiares pela construção ou estouro de barragens no Brasil.

Aline conta como ver a iniciativa “Essa chegada da agrovila ela foi recebida por nós com muito entusiasmo, muita felicidade, porque quase duas décadas depois de tanta luta, finalmente a gente conseguiu. Assim, a gente considera como um momento histórico esse projeto, porque ele vai beneficiar e parte das famílias e foi algo nunca visto aqui nas nossas redondezas e que vai transformar por completo a vida de quem for beneficiado.”

Homem negro, de boné branco com o símbolo do Movimento dos Atingidos por Barragem, está de camisa branca, segura algodão em suas mãos e está em meio a uma plantação

Osvaldo nos conta ainda como está sendo a produção: “Produzimos primeiro uma área com quase uma hectare de terra e fez um roçado agroecológico com milho, feijão, a fava, gergelim, tudo de forma agroecológica em 2022, depois, a gente fez um almoço coletivo, onde veio muita gente pra fazer essa celebração da primeira produção, em 2023 a gente fez o primeiro plantio de algodão agroecológico com seis hectares de terra, envolvendo dez famílias. A gente conseguiu produzir quase cinco toneladas. Isso contabilizou quase R$: 25.000,00 para essas famílias. A empresa que comprou foi a empresa Santa Luzia e esse ano a gente está aqui com 20 hectares de algodão branco, agroecológico e envolvendo mais 30 famílias.

Em 2024 as obras da agrovila ainda estão em andamento, contudo, parte das famílias afetadas já conseguem voltar a trabalhar com a terra, produzir de forma agroecológica para tirar dali o seu sustento e beneficiar também as comunidades vizinhas. Ações como essa, bem como o apoio dos poderes públicos mostram-se necessários à sobrevivência da população, os agentes públicos que atacaram o direito à terra dessas famílias são quem detém o poder e possibilidade de mitigar as consequências predatórias da construção da Barragem de Acauã.

É notório que foi com a pressão do povo organizado que as instituições públicas passaram a tentar conter os danos colaterais criados pelo estado a duas décadas, precisamos enquanto sociedade apoiar as lutas sociais para que os desmandos de ontem não continuem a nos afligir e para que as possíveis ações do futuro sejam planejadas para trazer o progresso e desenvolvimento para TODOS e não apenas para uma camada da população, que por vezes é uma camada irrisória mas que detém muito poder político e econômico.

Esta reportagem foi construída como parte da produção da cadeira "Comunicação e Diversidade Cultural" ministrada pela professora Dr. Maíra Nunes, do curso de Comunicação Social, da Universidade Federal de Campina Grade.

Equipe e funções:

Fotografia: NativoAfro (Lucas Sousa)

Texto: Genildo Bezerra e Lucas Sousa

Revisão: Isabela Lage

Entrevistas: Leydiane dos Santos e Lucas Sousa

Revisão das transcrições: Antônio Fábio, Genildo Bezerra e Lucas Sousa

Confira a matéria com fotos em: nativoafro.alboompro.com